08 outubro 2009

Arte terapia e Oncologia (Câncer)

Artigo por Ines Novoa Jezler


         De um sonho antigo, tornado realidade, implantou em dezembro de 98, o Atelier Terapêutico, no Instituto Avanços em Medicina, seguindo a linha fundada por Edith Kramer, da art-as-therapy, em que atua até o presente, buscando o crescimento e valorização pessoal através do fazer artístico. Agrega à sua práxis, sua base acadêmica nas artes plásticas e o estudo minucioso do seu público – o paciente oncológico adulto – em autores e mestres da Psico-oncologia, na Teoria centrada na Pessoa, de Carl Rogers, e nas filosofias espiritualistas que visam à elevação da humanidade.


Introdução

Onde se Situa a Arte-terapia na Oncologia?

A postura holística da medicina nos leva a uma concepção mais amplificada do ser humano, enquanto organismo uno e integrado, mente-corpo-espírito, e seu próprio meio-ambiente. A Psico-oncologia surgiu para fazer a ponte entre a psicologia e a medicina oncológica, reconhecendo a inegável interdependência entre mente e corpo, na saúde e na doença. Dentre as diversas abordagens disponibilizadas pela Psico-oncologia, encontramos a Arte-terapia, um valioso instrumento de análise e autoconhecimento que tem se sobressaído como valioso também para o paciente oncológico.

O diagnóstico de câncer traz consigo toda uma nova realidade de re-adaptação à vida manifestando-se na desestruturação familiar, em novas propostas de adaptação social e profissional, além de confrontar o paciente com uma reavaliação de seus valores espirituais e existenciais. Lida-se com a vida e a morte, desilusões, desapegos materiais e afetivos. O câncer, doença sócio-somática de nosso tempo, é vista como o resultado de mudanças energéticas dentro desse organismo, mas passível de reversão, se nos dispusermos a intervir nesse sistema... A Arte-terapia, como forma de expressão de conteúdos psíquicos freqüentemente não-elaborados e/ou inacessíveis pela linguagem verbal, objetiva mobilizar e ressignificar estes elementos que enquanto não forem trazidos para a consciência, impedem e obstruem o fluxo saudável de nossas energias. Construindo produtos de arte com significação podemos reaprender a nos relacionarmos com nosso meio e com nossos próprios valores, melhorando o nosso sistema vital corpo-mente-espírito.

Por Onde Começar o Atelier Terapêutico?

O Desenho

Inicio um trabalho com meus pacientes educando-os para o desenho. Ensino-lhes a observar o contorno de uma simples folha ou flor, e com essas linhas traçadas, vou mostrando-lhes o caminho de volta a um recanto em suas vidas em que abandonaram a arte espontânea e descompromissada que um dia todos esboçaram. Algo permaneceu ali, naquele passado, truncado e atrofiado. O criativo não pôde se manifestar. Sabe-se hoje, pela psiconeuroimunologia e outras ciências afins, o quanto a expressão das emoções é necessária e desejável para se ter uma vida saudável. Resgatar aquela linha interrompida e perdida de meus pacientes é o propósito maior do trabalho no Atelier Terapêutico, que conduzo junto aos pacientes adultos do Instituto Avanços em Medicina.

Interfaces do Atelier Terapêutico

O Social e o Criativo

Como abordagem terapêutica ainda recente e inovadora no meio médico, a arte-terapia precisa acolher seu cliente-paciente de modo a complementar seu tratamento clínico propriamente dito, reforçando todas suas possíveis fronteiras. É com isso em mente, que a atividade do Atelier Terapêutico integra outras facetas além do instrumento da arte-terapia em si, que trabalha o autoconhecimento, a auto-estima e o crescimento pessoal. Há um enfoque muito especial para o suporte social do paciente, incluindo aí não somente os novos vínculos afetivos e atividades em grupo, como também a busca de um novo papel no meio social de cada um. Nem sempre, nesse estágio da vida, é possível estabelecer vínculos de amizade novos, sendo o que mais se verifica na fase adulta, é que nos tornemos mais seletivos e restrinjamos nosso círculo de amigos, o que se mostra igualmente muito verdadeiro no caso do paciente oncológico adulto, que tende ao isolamento social, nem sempre voluntário mas por força de sua nova rotina de constantes exames clínicos e tratamentos que lhe roubam tempo e disponibilidade... A restrição do grupo social, nesta circunstância de vida, é no mínimo lamentável, pois sabemos o quanto valem os laços afetivos, as palavras de suporte, e o clima leve e descontraído de um bom grupo social. Diversas pesquisas confirmam que o paciente tem maior resistência à doença, maior proteção imunológica, quanto mais forte é seu suporte social. Assim, o Atelier Terapêutico, abre espaço para o lanche comunitário a quem estiver circulando por perto da mesa de trabalho; comemora eventos importantes com passeios culturais ou encontros; oferece oportunidade para troca de informações práticas sobre cuidados pessoais e saúde, configurando-se como espaço de ponto de encontro... dentro dos limites seguros de uma clínica, com o staff médico sempre a postos.

Outro importante elemento do Atelier é sua ênfase na Criatividade, na diversidade de técnicas plásticas, conduzidas com conhecimento das múltiplas linguagens artísticas ao longo da história da arte. O Atelier explora a linha do desenho como fio condutor de uma prática, alinhavando atividades que, ora exploram o autoconhecimento, ora intensificam a expressão de emoções, ora dão asas à criação, em um contínuo e maleável movimento de viver a vida como a própria arte. (ou será vice-versa?) Deste modo, respaldando o sempre intenso e profundo trabalho de criação, há a estruturante técnica e disciplina do bom desenho, da busca da “boa forma”. O esteticamente harmônico e belo pode representar um elemento a ser buscado e elaborado, contudo não é necessariamente o fim a ser atingido, a não ser que se mostre “curativo” para aquele paciente... Enquanto para uns, o que importa é simplesmente estar no Atelier, para outros, é resolver um trabalho artístico de forma a lhe agradar visualmente, ou para outros ainda, é descobrir uma linguagem expressiva... O fazer artístico, na minha linha de trabalho, é terapêutico em si , pois faz da expressão plástica a nossa voz interior, e traz para o objeto finalizado a concretização de antigos anseios, ou de novos propósitos.

Quem realmente se entrega a praticar arte, está continuamente reorganizando seus sentimentos, reavaliando valores e conflitos. A expressão artística deve ser buscada em todas as suas formas – há sempre uma forma com a qual podemos nos identificar mais intimamente. Arte, ciclos, e vida. O antigo anseio se concretiza, e já desponta o novo propósito... A arte é a expressão do nosso equilíbrio homeostático e uma experiência de saúde.

Ines Novoa Jezler
- Arte-terapeuta com especialização em psico-oncologia, mestre em Educação, Artes e História da Cultura, com a pesquisa “Arte-como-terapia: um programa de atelier terapêutico para o paciente oncológico adulto”.
contato: ines@jezler.net
(11) 3645-2281

Nenhum comentário:

Postar um comentário